Folha de S. Paulo


Aumentam retratações em periódicos científicos

Em meados de maio, quando dois pós-graduandos questionaram um estudo publicado na revista "Science" a respeito de como as campanhas políticas porta a porta afetam as opiniões sobre o casamento gay, os editores da publicação começaram a investigar.

Então, a "Science" cancelou o artigo, de autoria de Michael LaCour, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e Donald Green, da Universidade Columbia, devido a preocupações com os dados usados por LaCour.

O caso é apenas um exemplo do crescente número de retratações (correções ou cancelamentos) em artigos de publicações científicas, algo que vem alarmando autores e editores de periódicos.

O blog Retraction Watch ("observatório da retratação"), primeiro veículo de comunicação a noticiar que o artigo havia sido contestado, detectou um aumento de 20% a 25% no número de retratações em cerca de 10 mil publicações médicas e científicas nos últimos cinco anos: de 400 em 2010 para 500 a 600 atualmente –em 2001, a cifra havia sido de 40 retratações, segundo uma pesquisa anterior.

Não está claro quais seriam as principais causas disso. Mais artigos estão sendo publicados em mais revistas. Novas ferramentas para detectar más condutas, como softwares que garimpam plágios, tornaram-se amplamente disponíveis. A pressão por publicar resultados chamativos também é mais forte do que nunca –assim como a capacidade de "emprestar" e "retrabalhar" dados digitalmente.

Os registros do Retraction Watch sugerem que cerca de um terço das retratações são decorrentes de erros como amostras contaminadas ou falhas estatísticas. Os outros dois terços são ligados a más condutas ou suspeitas de más condutas, tais como manipulação de imagem.

Outros problemas são a ocorrência de plágio textual e republicações –a apresentação dos mesmos resultados em dois ou mais periódicos.

A falsificação de dados também existe. Ninguém sabe ao certo a incidência das fraudes, mas, numa pesquisa de 2011 com mais de 2.000 psicólogos, cerca de 1% admitiram falsificar dados. Outros estudos estimam uma taxa em torno de 2%.

Um dos aliados mais eficazes do Retraction Watch é Steven Shafer, atual editor da revista "Anesthesia & Analgesia", cuja agressividade na revisão de trabalhos já publicados levou a dezenas de retratações. O campo da anestesia é líder em retratações, em grande parte devido aos esforços de Shafer.

Outros casos decorrem de dúvidas levantadas em sites especializados na pós-publicação, onde cientistas vasculham os artigos, às vezes anonimamente.

David Broockman, um dos dois pós-graduandos que desafiaram o artigo da dupla LaCour-Green, havia divulgado algumas das suas suspeitas pela primeira vez num fórum de discussões chamado poliscirumors.com.

O que esses vários informantes anônimos, pós-revisores e delatores anônimos têm em comum é o faro para dados que parecem bons demais para serem verdade.

"Até recentemente, era incomum darmos notícias sobre estudos que ainda não tivessem sido retratados", disse Ivan Oransky, editor do Retraction Watch. Porém, as novas tecnologias e a ânsia por transparência dos cientistas mais jovens mudaram isso, segundo ele. "Recebemos mais dicas do que conseguimos dar conta."


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