Folha de S. Paulo


Modelo atual de doação a políticos é promíscuo, diz presidente do Ethos

Reprodução/Instituto Ethos
Jorge Abrahão, do Instituto Ethos, para quem o modelo de doação empresarial atual é promíscuo
Jorge Abrahão, do Instituto Ethos, para quem o modelo de doação empresarial atual é promíscuo

Se o atual modelo de doações de empresas a partidos e candidatos políticos não for alterado, "corremos muitos riscos de continuar com essa relação promíscua entre público e privado na nossa sociedade", opina Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, em entrevista à BBC Brasil.

O instituto foi criado para incentivar práticas socialmente responsáveis no setor privado e hoje tem 558 empresas associadas –entre elas grandes doadoras de campanhas eleitorais, como os bancos Bradesco, Itaú e Santander, a construtora WTorre, a rede de frigoríficos Marfrig e até mesmo braços de grupos investigados na operação Lava Jato, como a Camargo Corrêa ou Odebrecht.

Após um ano e meio, o Supremo Tribunal Federal retomou nesta quarta-feira (16) o julgamento que está avaliando se doações de empresas a partidos e candidatos desrespeitam à Constituição Federal. O placar atual do julgamento –seis votos contra as doações de empresas e um a favor– indica que esse tipo de financiamento será proibido.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que moveu a ação, argumenta que a atuação das empresas desequilibra a disputa eleitoral, ferindo o direito constitucional à igualdade.

Abrahão reconhece que o setor privado tem hoje um poder desproporcional de influenciar as eleições. No entanto, o instituto defende que sejam criados limites muito baixos para esses repasses, em vez de proibi-los totalmente.

O presidente do Ethos critica a minirreforma política aprovada pelo Congresso, que estabeleceu teto de R$ 20 milhões por empresa. "É um valor muito alto. Essa reforma não ataca as questões principais, vamos permanecer com os mesmos problemas", lamentou.

O ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vista do processo em abril do ano passado, liberou seu voto um dia depois de o Congresso aprovar as novas regras. Ele deu várias indicações públicas de que estava segurando o processo para dar tempo de os parlamentares decidirem sobre a questão.

A ação movida pela OAB questiona dispositivos da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995). Não está totalmente claro se a decisão do STF nesta ação valerá também para as regras que acabaram de ser aprovadas –será preciso aguardar a conclusão do julgamento.

Por via das dúvidas, políticos contrários a essas doações, como deputados petistas, estão pressionando a presidente Dilma Rousseff a vetar o artigo da nova lei que prevê o financiamento de campanha por empresas.

Confira os principais trechos da entrevista com o presidente do Instituto Ethos.

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BBC BRASIL - O STF está retomando o julgamento sobre doações de empresas a candidatos. Seis ministros já votaram pela proibição. Qual a opinião do Instituto Ethos?
JORGE ABRAHÃO - Sinalizamos que tem que haver uma mudança muita forte (no atual sistema de doações). Da forma com que funciona hoje, a influência do poder econômico nas eleições é muito grande, há muita desproporção.

Mas o instituto é contrário ou a favor de uma total proibição?
Tem que haver uma mudança no sentido de baratear as eleições e de haver um equilíbrio maior entre o financiamento público e o financiamento privado. As eleições têm que ser mais baratas porque o fato de elas serem mais caras está fazendo com que esse processo se retroalimente: a necessidade de mais financiamento, a busca pelas empresas, e aí elas passam a ter uma influência muito grande. E uma outra coisa é um equilíbrio entre financiamento público e privado. Então, o Ethos não coloca a necessidade da proibição das doações, mas de baratear a campanha e de ter mais equilíbrio entre financiamento público e privado.

Críticos das doações dizem que elas são, na verdade, um "investimento". O senhor concorda?
As pesquisas têm mostrado que é assim. Existe uma pesquisa do Instituto Kellogg (da Universidade Notre Dame, nos EUA) que fala que os investimentos na campanha têm trazido retornos expressivos para as empresas. Na prática, o que tem ocorrido é um pouco isso, e os escândalos que a gente tem visto confirmam desse processo. É um fato, é uma realidade. Isso só reforça a necessidade de uma mudança.

O instituto entende então que é possível mudar este quadro criando algumas restrições, mesmo sem a total proibição?
Resguardadas essas questões do equilíbrio maior entre financiamento público e privado e do barateamento das campanhas, as empresas poderiam continuar doando, com limites muito baixos em relação ao que hoje é permitido. Isso evidentemente implicaria em limites bastante reduzidos para não permitir essa influência tão grande quanto elas têm hoje.

Os críticos às doações dizem que empresa não vota, quem vota são as pessoas. Qual é a vantagem para a democracia brasileira que as empresas possam continuar doando com valores baixos? Por que essa solução é melhor do que simplesmente proibir as empresas de doar?
Essa defesa por parte do Ethos da permanência do financiamento –com limites muito menores e restrições fortes– tem a ver com a importância das empresas dentro do cenário econômico do país. É um pouco nesta linha, da importância das empresas, que justificaria o apoio a determinados conteúdos e projetos [das campanhas].

Agora, esse é o melhor dos mundos eu diria, do ponto de vista das empresas, que não estariam buscando retorno com isso. Por isso, hoje propomos uma redução substancial nos limites de doação, porque com isso você retoma a importância dos conteúdos [das campanhas].

Como o senhor avalia a reforma política aprovada no Congresso que estabeleceu limite de R$ 20 milhões de doações por empresa?
O processo foi muito pouco transparente e participativo. Talvez este seja o tema mais importante para o país hoje e ele foi reduzido a um pequeno debate, sem participação da sociedade, das empresas. Quanto aos conteúdos, a reforma política [que foi aprovada] de alguma forma ilude que pode haver uma redução dos custos e da influência das empresas. Isso não é verdade. Com um limite de R$ 20 milhões por empresa, você continua com o mesmo desequilíbrio, o mesmo poder das empresas influenciando as campanhas eleitorais. É um valor muito elevado.

Então, o que avançou foram propostas que não combatem os desequilíbrios econômicos e, de alguma maneira, envolvem empobrecer o debate político no país, ao reduzir o tempo de debates [a reforma aprovada reduziu o tempo de campanha de 90 dias para 45 dias].

O país não precisa de campanhas mais curtas, pelo contrário, o amadurecimento da nossa democracia está ligado à gente conseguir efetivamente debater mais esses conteúdos. Não é reduzindo o tempo de campanha que vamos reduzir o peso do financiamento privado nesse processo, isso é uma ilusão. Essa reforma não ataca as questões principais, vamos permanecer com os mesmos problemas.

Entre o sistema atual e a proibição das doações de empresas, a proibição seria melhor?
Com o financiamento privado do jeito que está, nós corremos muitos riscos de continuar com essa relação promíscua entre público e privado, e isso não é bom para o país. Precisamos ter uma inflexão. O que a sociedade tem que discutir é isso: ou essa inflexão será uma proibição ou será uma redução com limites muito fortes (para as doações). O Ethos defende que as empresas financiem com limites.

Qual seria esse limite?
Não definimos isso. Nas últimas eleições, cerca de 20 mil empresas financiaram [campanhas]. Nas eleições municipais, esse número é maior, porque é mais pulverizado. O Brasil tem umas 5 milhões de empresas, ou seja, a grande maioria não financia.

E, dentro desse número pequeno que doa, 1% (200 empresas) são responsáveis por 60% do financiamento. São pouquíssimas empresas financiando muito. Por isso que a criação do limite é importante, porque você vai poder reduzir efetivamente o financiamento desse grupo de empresas que atualmente tem um peso muito grande e, via de regra, é onde tem gerado esses problemas na relação público/privado. É cada vez mais claro esse conflito de interesses. Por exemplo, empresas que prestam serviços públicos não poderiam financiar.

A reforma aprovada no Congresso prevê que empresas que têm contratos de execução de obras públicas não possam doar.
Isso é uma distorção. Não é só empresa que faz obra [que tem que ser proibida], a empresa que fornece merenda ou medicamento também. Se você for ligado à educação, à saúde, os mercadores do poder público na verdade geram riscos.

Esse setor [de obras públicas] é o que está aparecendo agora, mas temos um problema sistêmico. E se não enfrentarmos isso, nós vamos estar nos iludindo. Temos que aproveitar essa doença que temos hoje e atacar o problema do nosso organismo, do nosso sistema. Não é uma questão pontual. E estamos vivendo um momento muito duro para comportar soluções que [durem apenas] algumas horas, que fiquem em determinados setores.

A crise atual é culpa do governo petista ou de todo o sistema político?
Não é uma culpa de um determinado partido. Essas denúncias ocorrem em diferentes setores, em diferentes níveis de governo, governos estaduais, municipais, envolvendo a quase totalidade dos partidos. Temos uma oportunidade muito grande de enfrentar um problema que é gerador os desequilíbrios muito grandes no país. É ilusão achar que isso é por conta de um determinado partido. Na verdade, o que a gente vive é o reconhecimento da nossa incapacidade nossa de construir um sistema que fosse mais correto, transparente, íntegro. Nós como sociedade não conseguimos construir isso.

Embora você possa ter responsabilidades diferenciadas, partidos que tenham tido momentos em que tiveram mais recursos, é um problema do sistema comum da nossa política.

Coloco isso como uma oportunidade de reconhecer nossa incapacidade e enfrentar esse problema de frente. Qual é a nova ordenação que nós temos que ter, que demonstre transparência, integridade e que não tenha desequilíbrio entre os atores que participam desse processo?

Voltou a ganhar fôlego a discussão em torno de um impeachment da presidente. Qual a posição do instituto?
Como instituto, não temos posição sobre isso. O que o Ethos tem defendido é sempre o reforço das instituições, de legalidade, é por aí que nós temos caminhando sempre.


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