Folha de S. Paulo


Análise: Proibição para caçar baleias teve motivação mais geopolítica do que ambiental

As negociações internacionais a respeito da caça às baleias têm algo de surreal. Para começar, elas são geridas por um órgão, a CIB (Comissão Internacional da Baleia), que foi criado logo depois da Segunda Guerra Mundial, quando a caça industrial aos cetáceos estava ganhando força e os países baleeiros viram a necessidade de uma gestão internacional negociada dos estoques pesqueiros.

Isso significa que a CIB surgiu muito antes dos debates atuais sobre problemas ambientais ou desenvolvimento sustentável, e a comissão, em sua origem, enxergava as baleias como camarões, sardinhas ou qualquer outro recurso natural marinho.

Dos anos 1940 para cá, no entanto, houve uma explosão de conhecimento científico sobre cetáceos, demonstrando a complexidade comportamental e social dos bichos. Além disso, claro, o ambientalismo cresceu mundo afora. Esses dois fatores se combinaram para criar a moratória à caça comercial que vigora desde os anos 1980.

O problema é que, voltando aos aspectos algo surreais da CIB, a comissão é um órgão essencialmente voluntário. Entram nela –e saem dela– os países que quiserem, quando quiserem, ainda que não possuam histórico de interesse pela questão baleeira ou, aliás, ainda que não possuam nem litoral. Da mesma maneira, não há punições reais –a não ser um mero "ficar mal na fita"– para quem desobedece as determinações da comissão. Isso permitiu que Noruega e Islândia, por exemplo, permanecessem na CIB por anos mesmo praticando caça comercial ao arrepio da moratória.

A elasticidade dos critérios da associação ao grupo também levou a um sem-número de denúncias de compra de votos, nas quais países nanicos seriam encorajados a se juntar à CIB em troca de "ajuda humanitária", passando a votar em favor dos interesses dos pagantes. O Japão é apontado como principal corruptor, mas ONGs ambientalistas também foram acusadas de "comprar" votos anticaça.

Não é surpreendente, então, que uma corte internacional tenha desfeito o eterno nó da CIB em torno da chamada caça científica japonesa.

A Austrália, que entrou com a ação junto a corte, teve razões geopolíticas para tal. O país reivindica 40% do território antártico e não vê com bons olhos as incursões japonesas por lá. Além disso, algumas das baleias capturadas pelo Japão pertencem a grupos com rotas migratórias que vão até a Austrália, então os australianos reclamam do abate das baleias "deles".


Endereço da página: